Ativos Biológicos e Liquidez

Ativos Biológicos e Liquidez

Sílvio Hiroshi Nakao

Uma alteração interessante ocorreu nas normas CPC/IFRS a respeito de ativos biológicos em 2015, produzindo efeitos a partir de 2016: um tipo de planta deixou de receber o tratamento contábil dado aos ativos biológicos, a chamada planta portadora. Chega a ser inusitada essa alteração, pois ela continua dentro da definição de ativo biológico, que é “um animal e/ou uma planta, vivo”, de acordo com o CPC 29.

A planta portadora é definida pelo CPC 29 como “uma planta viva que: (a) é utilizada na produção ou no fornecimento de produtos agrícolas; (b) é cultivada para produzir frutos por mais de um período; e (c) tem uma probabilidade remota de ser vendida como produto agrícola, exceto para eventual venda como sucata”. É o caso das frutíferas, como a laranjeira, e da cana-de-açúcar, por exemplo, comuns em nossa região de Ribeirão Preto. A laranjeira é uma planta utilizada na produção da fruta, que é um produto agrícola, ao longo de vários períodos e ao final de seu ciclo de viabilidade econômica é arrancada da terra, assim como é o caso da soqueira da cana-de-açúcar, que produz a cana em pé (cana planta) ao longo de seis safras em média e ao final de sua vida útil é eliminada. É diferente, por exemplo, do pé de milho, que precisa ser plantado e colhido a cada safra.

Anteriormente à mudança, todos os ativos biológicos eram mensurados a valor justo, que em muitos casos pode ser representado pelo valor de mercado. O valor justo é uma estimativa do dinheiro que se espera receber pela venda do ativo e a sua aplicação procura melhorar a qualidade da informação porque traz uma melhor noção do valor atual do patrimônio de uma pessoa. Um boi para corte, por exemplo, pode ser mais bem representado no balanço patrimonial desta maneira do que pelo seu valor de custo, pois é o quanto está valendo na data.

Porém, o valor justo teve seu uso muito criticado para determinadas situações, como é o caso das plantas portadoras, pois é muito difícil ter uma avaliação confiável para o valor de mercado de uma plantação de cana-de-açúcar, por exemplo. Como ela está plantada na terra, seria necessário que ocorresse um volume considerável de transações de compra e venda de terra e plantação para que se pudesse haver um valor de mercado para a plantação. Com isso, o que se fazia era calcular o fluxo de caixa descontado resultante da venda do produto agrícola, algumas vezes usando premissas econômicas “de gosto duvidoso”. O resultado disso era que alguns usuários não acreditavam nesse valor publicado. O interessante é que nem as usinas utilizavam o valor justo da plantação para suas próprias decisões.

Com a mudança, as plantas portadoras passaram a ser tratadas como ativo imobilizado, mensuradas pelo seu custo de plantio e depreciadas ao longo do número de safras que se espera obter com a plantação. Mas curiosamente, a mudança não foi para a planta inteira: a produção em crescimento continua no ativo biológico! Ou seja, a soqueira de cana-de-açúcar fica no imobilizado mensurada a custo e a cana planta fica no ativo biológico mensurada a valor justo! É difícil até de explicar…

Neste ano de 2017 começamos a ver os primeiros balanços já com essa nova configuração. O interessante é que essa mudança provocou uma alteração que poucas pessoas se atentaram: o nível de liquidez da empresa pode se alterar! Como a produção em crescimento ficou no ativo biológico e muito provavelmente será colhida na próxima safra, sua apresentação fica no ativo circulante, aumentando o índice de liquidez corrente (ativo circulante/passivo circulante), pois anteriormente esse ativo biológico precisava ser apresentado no ativo não circulante em função do número de safras. É provável que esteja representando melhor a realidade, mas vamos aguardar para ver a reação dos usuários, porque a prática anterior à adoção de IFRS no Brasil era a de considerar tudo a custo no ativo não circulante.

 

Prof. Dr. Sílvio Hiroshi Nakao, professor da USP de Ribeirão Preto e organizador do livro Contabilidade Financeira no Agronegócio (Editora Atlas/Gen)

(Texto elaborado para Revista Enfoque Contábil Ribeirão Preto de junho de 2017)

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