Uma discussão que estamos fazendo no Grupo de Pesquisa em Informações Contábeis – InCont FEA-RP / USP (http://incont.fearp.usp.br/) é exatamente sobre a utilidade da informação contábil nas Startups.
Na última reunião do grupo, que participei por skype, discutimos muito a questão se a contabilidade é capaz de fornecer informação relevante para a tomada de decisão nesse segmento de Startups, basicamente por terem as mesmas características da Economia Digital que o artigo abaixo discute. Muito disso podemos ver em FinTechs, empresas de economia digital em serviços financeiros, ou mesmo nas Startups voltadas para o desenvolvimento de aplicativos (os famosos Apps) sob a forma de serviços e assinaturas.
A contabilidade possui grande utilidade na avaliação de empresas (Valuation) no sentido de proporcionar informação que serve de base para a projeção de fluxos de caixa futuro, ou qualquer variação disso, de que os modelos de Fluxo de Caixa Descontados utilizam para estimar o valor da empresa.
Porém, o ambiente agora é mais complexo. Na economia mais tradicional (se é que isso ainda existe), temos um modelo de projeção mais estável. Receitas e lucros, que mais cedo ou mais tarde se transformarão em fluxos de caixa, dependem de ativos tangíveis como Fábricas, Estoques e Lojas… projetar isso não é um exercício tão complexo, mesmo com maiores taxas de crescimento.
Quando vamos para essa economia digital as coisas mudam. As empresas não querem mais vender produtos, como uma geladeira, para que você fique 7 anos sem comprar uma nova geladeira (para quem é casado, saiba mais sobre a “Crise dos 7 anos” ou “Crise dos Eletrodomésticos” em: http://vilamulher.uol.com.br/…/casamento-a-crise-dos-sete-a… – SPOILER: a crise do casamento coincide com os eletrodomésticos que quebram depois de 7 anos).
Voltando ao nosso tema, então, a empresa não quer esperar 7 anos para você voltar e não dá para fazer uma obsolescência programada para 6 meses, ninguém quer comprar uma geladeira nova a cada 6 meses. Saiba mais sobre obsolescência programada em: https://mundoestranho.abril.com.br/…/o-que-e-obsolescencia…/
Como melhorar o fluxo de caixa da empresa? Parando de vender geladeiras e começando a vender serviços de refrigeração… Isso é o futuro, esse caminho acelera o ciclo econômico e, consequentemente, os fluxos de caixa. Porém, torna tudo mais instável em termos de projeção. Pense em quantos exemplos de produtos se transformaram em serviços!
A contabilidade pode atender a essa necessidade, como o texto mostra, IFRS está mais próxima disso que USGAAP (FASB), mas ainda tem muito a ser ajustado. Existe muita incerteza no Goodwill gerado internamente e é ariscado se basear somente em informações internas (Nível 3 da Hierarquia do Valor Justo).
O número de unicórnios na economia digital (startups que chegaram ao valor de mercado igual ou superior a US$1 bilhão) está na mesma proporção de meninos que começam a jogar futebol e aqueles que chegam a obter um contrato milionário ou bilionário como Neymar. Você duvida? Somente 57 Startups se tornaram unicórnios em 2017 (https://revistapegn.globo.com/…/57-startups-que-se-tornaram…)
Bom, o que quero dizer com isso tudo? Que o caminho não é fácil mas também não é impossível… tem que ser bem planejado. Se fosse só sorte os investidores que mais ganham com isso não seriam sempre os mesmos.
https://blogs.cfainstitute.org/investor/2018/04/18/assessing-value-in-the-digital-economy/
Sílvio Hiroshi Nakao
Nos dias 23 de fevereiro e 16 de março de 2018, o Grupo de Pesquisa Incont teve reuniões com o Supera Parque de Inovação e Tecnologia. O Eduardo Cicconi nos apresentou no primeiro dia um histórico do belíssimo trabalho que o Supera tem feito para o desenvolvimento tecnológico, por meio da incubadora de negócios, do escritório internacional, do Núcleo de Inovação Tecnológica e do Centro de Tecnologia para testes de novos produtos. No segundo dia, nós fizemos uma visita às instalações físicas do Supera, que fica situado dentro do Campus da USP de Ribeirão Preto em uma área de 378 mil metros quadrados, com dois excelentes prédios construídos com infraestrutura para incubar diversos tipos de negócios. O Supera fez surgir dois Arranjos Produtivos Loais, da Saúde e de Software, e tem abrigado diversos projetos nessas áreas. É realmente incrível o trabalho que o Supera vem fazendo.
Essa aproximação com o Supera Parque representa para mim o início de um processo mais concreto de uma coisa que venho sonhado há vários anos e que em diversas ocasiões externei para algumas pessoas: nós devemos desenvolver pesquisa tecnológica em Contabilidade. Eu vejo que nós estamos para as Ciências Sociais ou mesmo para a Economia assim como está a Medicina para a Biologia/Química e a Engenharia para a Matemática/Física. A Medicina trouxe grandes contribuições para a sociedade com técnicas cirúrgicas, métodos de recuperação de pacientes e desenvolvimentos de equipamentos, por exemplo. A Engenharia desenvolve métodos para a construção de pontes, desenvolve novos materiais e novos processos de produção. Porém, a pesquisa em Contabilidade tem se dedicado quase que exclusivamente à observação e explicação de fenômenos econômicos ligados à informação. Não tenho dúvida de que essa pesquisa é importante e que precisa continuar sendo feita. Porém, isso nos passa a impressão de que não há problemas práticos que precisam ser resolvidos com soluções advindas de pesquisas tecnológicas em Contabilidade.
Eu vejo que há demanda da sociedade para reduzir a assimetria de informação entre investidores e gestores, analisar a qualidade da informação contábil, reduzir a expropriação de minoritários por parte de majoritários, reduzir a corrupção, melhorar o acesso à informação por parte do público em geral sobre as empresas, melhorar o nível de informação para pequenas empresas que não possuem estrutura para suportar a elaboração de demonstrações financeiras, mas precisam tomar decisões etc.
Uma pesquisa tecnológica não é apenas o desenvolvimento de uma técnica; é preciso que parta de um conhecimento científico prévio e é necessário que a técnica seja validada com método que tenha rigor científico. Pesquisas tecnológicas na nossa área poderiam prover a sociedade com algoritmos para examinar a qualidade da informação contábil, com indicadores de expropriação de minoritários, com algoritmos para extrair informação contábil de dados não contábeis etc.
Eu entendo que a interação com o Supera pode nos ajudar a obter problemas práticos que demandam soluções advindas de pesquisa tecnológica, nos ajudar a desenvolver essas pesquisas e eventualmente até a incubar projetos próprios, quem sabe?