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Sale and Leaseback – Proposta de Melhoria do IFRS 16 – Parte 1

Sale and Leaseback – Proposta de Melhoria do IFRS 16

Carlos Eduardo Ostanel

 

No dia 22 de setembro de 2020, o International Accounting Standards Board (IASB) reuniu-se e na pauta constava a necessidade de definição de prosseguir ou não com as melhorias identificadas no IFRS 16 – Leases, equivalente ao CPC 06 – Arrendamentos. As melhorias referiam-se a: mensuração do ativo direito de uso originado em uma operação de sale and leaseback; mensuração subsequente do passivo de arrendamento; e como tais mudanças afetariam os relatórios anteriores. Com 12 votos a favor e 1 abstenção, o IASB decidiu por aprimorar o IFRS 16 e, em novembro de 2020, publicou o Exposure Draft Lease Liability in a Sale and Leaseback.

Nessa operação de venda e retro arrendamento, a entidade vende um ativo para uma arrendadora, mas mantém, ao menos em parte, o controle do direito de uso desse ativo, assumindo em contrapartida um passivo de arrendamento.

O objetivo do Exposure Draft (ED) é apresentar às partes interessadas as mudanças propostas pelo IASB e coletar dessa comunidade as opiniões sobre os pontos aprimorados. A coleta de opiniões ficou aberta até o dia 29 de março de 2021 e recebeu 85 (oitenta e cinco) respostas de diversas instituições, entre elas o Comitê de Pronunciamentos Contábeis do Brasil (CPC), Comitê de Pronunciamentos Contábeis da China (CASC), Comitê de Pronunciamentos Contábeis da Alemanha (ASCG), as principais empresas de auditorias, entre outros. O Grupo de Pesquisa em Informações Contábeis da FEARP/USP, em conjunto com professores da UFF, UFU, UFG e UFPB, também teve a oportunidade de enviar uma carta-comentário sobre o assunto.

O primeiro ponto abordado no ED desvendou um enigma presente no item 100 (a) do CPC 06 – Arrendamentos.

“100. Se a transferência do ativo pelo vendedor-arrendatário satisfizer aos requisitos do CPC 47 para ser contabilizada como venda do ativo: (a) o vendedor-arrendatário deve mensurar o ativo de direito de uso resultante do retroarrendamento proporcionalmente ao valor contábil anterior do ativo referente ao direito de uso retido pelo vendedor-arrendatário. Consequentemente, o vendedor-arrendatário deve reconhecer somente o valor de qualquer ganho ou perda referente aos direitos transferidos ao comprador-arrendador.”

Ao ler o item, fica claro que o ativo de direito de uso resultante da operação de venda e retroarrendamento (sale and leaseback) deve ser mensurado proporcionalmente ao valor contábil do ativo que originou a operação, mas como realizar o cálculo dessa proporção? É proporcional a quê? Além dessa questão, torna-se fundamental para o leitor a compreensão sobre o reconhecimento do resultado da operação, como calculá-lo?

As respostas para essas perguntas estão contidas logo no início do ED e, para facilitar a compreensão do leitor, a publicação apresenta um exemplo ilustrativo. Por meio dele, é possível validar as interpretações realizadas e fomentar a discussão sobre os impactos de tal mensuração.

Exemplo adaptado do ED: Uma entidade (vendedor-arrendatário) vende um prédio para outra entidade (comprador-arrendador) por um valor total de $ 2.000.000, valor esse pago à vista. No momento da transação, o prédio estava registrado a um valor contábil de $ 1.000.000 e o seu valor justo era de $ 1.800.000. No ato da venda, a entidade vendedora efetiva um contrato de locação com a compradora, estabelecendo assim, o direito de uso por um período de 18 anos e a obrigação de efetuar pagamentos anuais de $ 120.000 no final de cada ano, a taxa de juros implícita no contrato é de 4,5%. Os termos e condições do contrato satisfazem os requisitos que são estabelecidos pelo IFRS 15 (equivalente ao CPC 47 – Receita de Contrato com Cliente), logo os envolvidos deverão reconhecer a operação como uma transação de venda e retroarrendamento (sale and leaseback).

A proposta do ED complementa o item 100 (a) do IFRS 16, esclarecendo como a proporção deve ser realizada:

“o vendedor-arrendatário deve determinar a proporção, comparando o valor presente dos pagamentos esperados do leasing, descontados pela taxa especificada no item 26 do IFRS 16, com o valor justo do ativo vendido.” (tradução livre).

Para que possamos compreender o pronunciamento e despertar as nossas reflexões, vamos torná-la prática, juntos aplicaremos as definições no próprio exemplo do ED.

Antes de iniciarmos as contabilizações, vamos identificar os principais pontos:

  • A operação representa uma operação da venda e retroarrendamento?
    • Sim, o ato de vender o prédio e na sequência locá-lo do comprador por um prazo de 18 anos (longo prazo) caracteriza a operação.
  • Qual era o valor contábil do ativo no momento da operação?
    • O prédio estava registrado pelo valor contábil de $ 1.000.000.
  • O prédio foi vendido por qual valor?
    • O prédio foi vendido por $ 2.000.000, valor esse recebido à vista.
  • Qual é o valor justo do prédio?
    • O valor justo do prédio no ato da negociação é de $ 1.800.000.
  • Qual é o valor presente dos pagamentos esperados do arrendamento?
    • Ao considerar o prazo de 18 anos (n), pagamentos anuais de $ 120.000 (PMT) e taxa de juros de 4,5% a.a (i), encontramos o valor presente (PV) de $ 1.459.199.

Esse ponto merece a nossa atenção, note que o valor da venda foi de $ 2.000.000 e o valor justo do prédio era $ 1.800.000, por que alguém pagaria $ 200.000 a mais por um ativo? Exatamente! Ele está na verdade realizando uma operação de financiamento em conjunto com o leasing. Essa situação é abordada pelo item 101 (b) do CPC 06, dessa maneira ao realizar a operação a entidade vendedora assume dois passivos, o passivo de arrendamento $ 1.259.199 ($ 1.459.199 – $ 200.000) e um financiamento de $ 200.000 ($ 2.000.000 – $1.800.000).

Para que possamos prosseguir para os lançamentos, precisamos antes identificar o valor do ativo direito de uso, chegou a hora de aplicar a proporção…

…mas antes, vamos compreendê-la.

No ato da venda, a entidade vendedora transferiu para a entidade compradora o controle do recurso econômico. Podemos afirmar isso pois o exemplo nos informa que os termos do contrato satisfazem os requisitos que são estabelecidos pelo CPC 47. Entretanto, te pergunto: o controle de todo o direito de uso do ativo foi transferido?

A resposta é não, ao assumir o direito de utilizar o ativo por 18 anos, a entidade vendedora reteve parte do controle de uso desse recurso econômico (o ativo). Podemos até afirmar que, caso ela tivesse transferido todo o controle, não teríamos nenhuma obrigação com a entidade compradora e não existiria assim, o passivo de arrendamento.

Mas quanto de controle ainda ficou retido? Considerando que nenhum controle implicaria o não reconhecimento de passivo de arrendamento, pode-se afirmar que 100% de controle resultaria em um passivo de arrendamento equivalente ao valor justo do ativo ($ 1.800.000), pois significaria que a empresa compradora deveria ser compensada pelo uso de todo o recurso econômico, que na data da operação apresenta o valor presente de $ 1.800.000 (o próprio valor justo). Seguindo a mesma lógica podemos identificar quanto de controle foi retido pela empresa vendedora, aplicando uma regra de três temos: controle retido = . Logo, o controle retido pela entidade vendedora é de 69,96% do recurso econômico. Agora que já identificamos o controle retido, podemos ler novamente o complemento trazido pelo ED. Ao lê-lo, é possível observar que a proporção relatada está simplesmente calculando o quanto a empresa vendedora ainda retêm de controle do recurso econômico.

Embasados nessas informações, já é possível mensurar o ativo de direito de uso. O seu valor será equivalente ao valor contábil do ativo proporcionalmente ao controle retido. Assim sendo, o ativo direito de uso deve ser mensurado inicialmente pelo valor de $ 699.555 ($ 1.000.000 x 69,96%)

Por fim, a única questão ainda não respondida é o valor a ser considerado como resultado da transação. Para solucionar esse último ponto, vamos considerar qual seria o resultado se não fosse uma operação de retro arrendamento. Em condições de mercado, o preço de venda seria equivalente ao valor justo do ativo $ 1.800.000. Ao confrontarmos com o seu valor contábil, apuraríamos o resultado de $ 800.000 ($ 1.800.000 – $ 1.000.000). Esse resultado só seria possível se a entidade tivesse transferido 100% do controle do recurso econômico. Porém, como vimos anteriormente, a entidade transferiu apenas 30,04% (100% – 69,96%) do controle do direito de uso. Logo, ela deve reconhecer apenas o resultado equivalente a proporção transferida, $ 240.356 ($ 800.000 x 30,04%).

Essa interpretação está alinhada com item 100 (a) do CPC 06 “o vendedor-arrendatário deve reconhecer somente o valor de qualquer ganho ou perda referente aos direitos transferidos ao comprador-arrendador.”

Em posse de todas as informações podemos realizar enfim os lançamentos:

Natureza Conta Valor Fatos
D Caixa $ 2.000.000 Valor total recebido
D Ativo direito de uso $ 699.555 Recurso econômico controlado pela entidade vendedora
C Ativo imobilizado $ 1.000.000 Valor contábil do prédio transferido
C Passivo de arrendamento $ 1.259.199 Obrigação decorrente do arrendamento
C Financiamento $ 200.000 Financiamento recebido no ato da venda
C Ganho com a operação $ 240.356 Resultado da operação de venda e retroarrendamento

 

Sim, ainda precisamos aplicar os demais pontos do ED, mas isso ficará para um novo post.

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