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Tese de doutoramento sobre contabilidade de hedge como artifício para gerenciamento da divulgação de perdas cambiais no período de crise financeira

Foi defendida no dia 4 de dezembro de 2018 a tese de doutoramento de Ralph Melles Sticca, orientado por Sílvio Hiroshi Nakao, do Programa de Pós-Graduação em Controladoria e Contabilidade da FEARP/USP, com o título: Effects of the exchange rate on the adoption of hedge accounting: evidence from Brazil.

Com a crise financeira mundial de 2008, as operações financeiras de hedge têm sido cada vez mais utilizadas pelas companhias brasileiras para proteção de seus ativos, passivos e fluxos de caixa atrelados principalmente à cotação de moedas estrangeiras, de modo a proporcionar a gestão mais eficiente de riscos e evitar a volatilidade excessiva de seus resultados. Entretanto, a adequada contabilização destas operações, dada sua complexidade, vem sendo um constante desafio para as normas brasileiras de contabilidade, que a partir de 2009 passaram a adotar a chamada “contabilidade de hedge”.

Em linhas gerais, quando a companhia opta por adotar a contabilidade de hedge para divulgar suas operações financeiras de proteção de fluxos de caixa, muito comum para exportadores e importadores líquidos, os resultados positivos e negativos do instrumento de hedge são registrados diretamente em Outros Resultados Abrangentes (ORA), no patrimônio líquido, não afetando, portanto, o lucro líquido contábil – quando o item protegido é liquidado, tais saldos são revertidos ao resultado do exercício.

Não obstante, estudos científicos demonstram que os analistas e investidores, mesmo os mais sofisticados, falham em precificar adequadamente os saldos contabilizados diretamente em ORA em suas análises e previsões, seja em função da forma de apresentação, seja em função do momento exato em que tais saldos serão convertidos em ganhos ou perdas efetivas, permitindo que a contabilidade de hedge, que é opcional, seja utilizada pelas companhias como instrumento de gerenciamento de resultados.

A pesquisa demonstrou que tal escolha contábil pode estar sendo utilizada pelas companhas brasileiras como artifício para evitar a divulgação de perdas cambiais derivadas de altos índices de endividamento em moeda estrangeira e de depreciação do Real nos últimos anos, a exemplo do que ocorreu com a Petrobras em 2015, que teve sua contabilidade de hedge questionada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

No estudo, foram analisados dados financeiros e a opção pela contabilidade de hedge de 379 companhias abertas brasileiras no período de 2010 a 2017, durante a vigência dos Pronunciamentos Técnicos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) 38, 39 e 40, que tratam da opção caso determinados requisitos específicos sejam atendidos pela companhia, tais como a adequada identificação do objeto de hedge e do instrumento financeiro utilizado e a realização de testes estatísticos de eficiência. Foi analisada ainda a opção, feita anualmente pelas mesmas companhias, pelo diferimento da tributação da variação cambial pela Contribuição para o PIS/Pasep e pela COFINS, bem como no cálculo do Lucro Real (IRPJ/CSLL).

Os resultados da aplicação de modelos econométricos propostos pelo estudo evidenciam que tanto os altos índices de endividamento em moeda estrangeira das companhias brasileiras, quanto a depreciação do dólar no período: (i) resultaram no aumento de perdas diferidas registradas em ORA, consequentemente promovendo o aumento dos lucros líquidos divulgados no período (ROE); e (ii) quando aliados à opção pelo diferimento da tributação da variação cambial (regime de caixa), afetaram a opção das companhias pela contabilidade de hedge; evidenciando, em conjunto, a presença de gerenciamento de resultados.

A publicação do trabalho coincide com o início da vigência do Pronunciamento Técnico CPC 48, que atualiza as normas de contabilidade de hedge em consonância com a divulgação da norma internacional correspondente (International Financial Reporting Standard – IFRS 7), mas alerta para a necessidade de maior fiscalização dos órgãos reguladores e maior compreensão por parte dos analistas e dos investidores acerca dos efeitos da adoção da contabilidade de hedge, inclusive propondo mudanças na norma em termos de torná-la mandatória, aprimorando a informação contábil para o usuário externo em termos de comparabilidade e caráter preditivo.

Maiores informações: Ralph Melles Sticca (ralphsticca@usp.br) e Sílvio Hiroshi Nakao (shnakao@usp.br).

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